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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Poesia de Escola

“Interpretar é saber que o sentido sempre pode ser outro”
Eni Orlandi

Talvez a poesia seja o gênero literário que mais sofre preconceitos das editoras, já que se publica muito pouco e com ainda menos critério este tipo de texto. E um grande desafio do educador é saber escolher e trabalhar com poesia para crianças.
O primeiro grande problema é a associação errônea do gênero poético a temas de cunho cívico ou patriótico. Como se poesia tivesse por função catequizar indivíduos a um ou outro modo de pensar ou agir.
Um poema também não deve ensinar lições de higiene, louvar o dia dos pais ou da mulher, fazer com que a leitor seja religioso nem muito menos ser qualificado unicamente a partir de rimas e lições de moral. Ele não tem função prática.
Ao contrário da forma como é tradicionalmente tratada em escola, a poesia deve fugir de chavões, frases-feitas, versos de efeito moralizador ou educativo. Ela deve subverter a ordem da linguagem, torcer e contorcer o que é falado pelo senso comum, ser revirada “de ponta cabeça” para que cumpra com eficiência sua especificidade de propor ao indivíduo o jogo (tanto de idéias quanto de palavras, se é que se separam), uma visão diferenciada de tudo que está a seu redor.
Temas dignos de atenção como a escravidão, órfãos abandonados, causa indígena, amante abandonada(o), podem se tornar extremamente piegas, ridículos se não abordados de uma maneira inovadora, surpreendente. Como exemplo, temos uns versos de Pagu, música de Rita Lee e Zélia Duncan: “Nem toda feiticeira é corcunda/nem toda brasileira é bunda/meu peito não é de silicone/sou mais macho que muito homem”. Aqui é tratado um assunto já muito abordado (mulher objeto), mas através de uma denúncia crítica, criativa e inteligente, quebrando inclusive tabus mas dificilmente utilizado em meio escolar pela diversidade que esta instituição abarca - nem toda família, nem todo aluno receberia bem a forma explícita como do nosso mais popular sinônimo de nádegas, por motivos culturais, religiosos, éticos, etc, o que temos que respeitar.
Ritmo, ironia, polissemia (atribuição de mais de um sentido a um termo ou expressão) são algumas das características de um texto poético. Não é pelo fato de uma pessoa estar dotada de boas intenções que vai produzir um bom poema. Desconhecemos obra “literária” de qualidade de figuras fantásticas como Madre Teresa de Calcutá, Chico Mendes ou Antônio Conselheiro e, por outro lado, temos Ezra Pound, que apesar de ter tido seus flertes com o fascismo italiano, foi um poeta de primeira grandeza.
Que a poesia seja sempre adotada nas escolas mas que sejam selecionados autores com real domínio do ofício de escrever, os que sabem realmente eliminar o supérfluo e que possuem a capacidade de emocionar, encantar, surpreender, ridicularizar e satirizar através do belo, do verdadeiro jogo de idéias, sons e imagens que caracteriza um grande poema.

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