Tradicionalmente abordada por (nós) professores de português como figura de linguagem responsável pela declaração contrária do que se quer dizer, a ironia merece grande atenção por sua capacidade retórica e pela fineza e astúcia com que foi utilizada por alguns autores de nossa língua.
Posicionando-me, poderia comparar o idioma à figura feminina, a ironia representaria a classe da mulher fatal, sedutora, pernas cruzadas e sotaque espanhol. Tal encanto vem exatamente de seu caráter oculto, inalcançável, difícil de ser apalpada, conhecida e até reconhecida.
As mais recentes pesquisas da linguística reafirmam não existe linguagem fora de um contexto social. A língua morta e artificial das frases soltas de alguns livros didáticos em nada se relacionaria com as reais práticas comunicacionais cotidianas. Então, a ironia só se efetivaria com a compreensão do receptor (aquele que ouve e/ou lê um texto). Em nada adiantaria a Machado de Assis (“ironista” de primeira classe), em uma conversa informal, criar uma situação irônica, por mais refinada que seja, se seu receptor não a compreendesse.
Como exemplo, temos a música “Marginália”, Torquato Neto e Gil, que denuncia o Brasil como país injusto, desigual, e assolado pelos desmandos da ditadura. Envoltos pelo refrão “aqui é o fim do mundo”, temos os versos “oh, sim, nós temos bananas/ até pra dar e vender”. Se desconsiderarmos o contexto da canção, tratando-se apenas de frases isoladas, desprovidas de uma situação real de uso, possivelmente seriam interpretadas como uma louvação ao país, à alta produção de bananas. Mas revestida pelo ambiente de protesto provocado pelos artistas, a passagem trabalha com o conceito de banana enquanto fruto sem valor (daí a expressão “preço de banana”). Ou seja, não temos condições básicas de vida mas o que não interessa, o que não tem valia, possuímos aos montes. O fruto também representa um gesto ofensivo feito com os braços.
Sem a compreensão do receptor, tais versos isolados, nunca poderiam ser classificados como irônicos; daí a ineficácia das frases-soltas geralmente usadas em Gramáticas Normativas, que mesmo sendo da autoria de mestres “ironistas” como Machado, Millôr Fernandes, Oswald de Andrade e Nélson Rodrigues, não terão nenhum sentido por não utilizarem o contexto, impossibilitando a participação do leitor e a efetivação do elemento irônico.
A ironia é um recurso que requer raciocínio tanto de quem a interpreta quanto de quem a produz e pode ser de extrema utilidade nas mais diversas situações do dia-a-dia mas deve ser utilizada com cuidado e atenção, pois a língua é como roupa, usamos e mudamos de acordo com a circunstância, já que esta figura de linguagem tanto pode informar, criticar, engrandecer um texto como causar desafetos e mágoas ao receptor.
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