Postagens populares

domingo, 26 de dezembro de 2010

Cana-de -Fel

A velha marmita prata ciganeava azeda por entre a imensidão do mesmo. Uma diversidade homogênea de cerdas furava a cútis enquanto o sol teimava em rasgar a pele, salgado como a lágrima da apatia. Com os pés borbulhando em sangue, avistou o bicho-monstro que chegou do estrangeiro. Vale braço de cinqüenta homem. Panha cana e amontoa. A marmita enfim vai ter descanso.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Galo_2010

Que me perdoem os clichês
É com muita dor e alegria, com muita acuidade e raça que venho, Clube Atético Mineiro, o Galo, por meio deste declarar o que comigo se passou dentro deste ano árduo, difícil, duro-pedra, como ocorrem nas maiores mudanças pelas quais toda a humanidade se submete.
Um time de guerreiros e competentes soldados foi-se montando sobre a batuta de um comandante dito como gracioso e lutador, vencedor, digno de toda minha história, uma história em preto e branco. Ainda neste primeiro semestre, vi-me perder através de mais um clássico, talvez pela ânsia de se mostrar o óbvio, os guerreiros sucumbiram perante soldados artificiosos e banais, como de praxe se usa o outro lado da lagoa. Ainda sim houve tempo para em duas partidas executarmos o segundo lugar do estado, Ipatinga se envergonhou de se assistir perante nossos guerreiros, guerreiros em preto e branco, suando amor e ódio nas arquibancadas. O guerreiro-mor, Marques Batista de Abreu, dentro do campo de guerra, despede-se com honra, balançando as redes e comemorando conosco, a nação maior do futebol. Fomos campeões mineiros, o maior vencedor de todos os tempos.
Segundo semestre foi de provações, o comandante não estava para o comando, as atenções se voltavam para ele, para o lustre caprichoso do senhor Luxemburgo e eu, senhores, via-me caindo pela tabela e ocupando lugares de mim desconhecidos e parcamente freqüentados em momentos de crise intensa. Enquanto isso, o rival mordido por perder mais uma vez a Libertadores (competição que reverencia como nenhum outro, estranhamente talvez por autocomprovação), escalava a tabela, alcançando lugar que dele não faz parte, a primeira colocação do campeonato nacional, imaginem que ironia.
Diante de um Fluminense forte, enfim o comando falso, fraco e estranho deixou o campo diante de uma sonora goleada. Sofri, como sofri por estes 5 x 0. O rival azul ostentava-se orgulhoso e cheio de pose, como lhe é de costume, caçoando daquele a quem deve respeito. Toda arrogância será castigada!
Dorival Júnior assume o comando, Renan Oliveira, Renan Ribeiro, Réver, Tardelli e Werley batem no peito a responsabilidade e fazem de cada jogo uma vida. O homem-gol, Obina acaba por destruir a raposa em jogo difícil, pois além de pecarmos por nossos próprios erros, ainda existentes, só vencemos por única competência, pois a arbitragem não ocultou sua tendência azul. “Monte de mijo” erra pênalti inexistente, a vergonha já tirava forças daquele que não a merece.
Daí em diante, desconfiaram do título e como já esperado, saímos do rebaixamento de cabeça erguida, não tendo de perder para o adversário do rival, Coríntians. Vencemos e bonito, mesmo deixando a liderança para o gentio azul – sabíamos que o posto a eles não pertencia. Também sabíamos que aquela derrota de 5x0 para o Flu serviu para mostrar ao rival que de campeão nada possui, que era preciso perder para que Luxa saísse, desse lugar ao Dorival, para que conquistássemos pelo menos a vaga sulamericana e ainda de quebra tirando esta do fraco exército rubro-negro, pelo Luxa comandado.
Neste final de temporada, não me afogo nas lágrimas e desculpas azuis, pois desta influenza já estou vacinado. Cruzeiro não ganha o título, que vai para o Fluminense, em uma diferença de 2 pontos que poderia não existir, caso deste não perdêssemos, conquistamos ao menos a vaga da sulamericana e apesar do Luxa, não rondamos mais o rebaixamento. É assim que se elimina um rival e não perdendo desonrosamente.

domingo, 14 de novembro de 2010

O Coronel, o Predileto e a Paca

Baseado no conto homônimo de Rômulo Resende Reis


Que o Coroné Juvênço era mió que a turma tudo a gente já se dava é por convencido. Tudo dele era mais graúdo que o dos outros memo. Zé da Farmácia e o Doutor Tibúço ficava rabeando, agradando ele. Sou homem disso não, o que eu tenho pra prosear, ponho sentido é na dianteira de caboclo bravo, faqueiro véio e até caxeiro viajante. Dia desses, o Coroné veio com espingarda nova, falou que vinha das Espanha e eu de cara ofereci meu paqueiro, o Predileto. Queria memo é dá outra surra no Coroné e mostrar que nossas garrucha memo dá é conta do recado. O violeiro é que faz a cantiga. Dia da caçada, deixei o homi com a tar da churrasqueta atirá premero que conheço num é de hoje a mira torta do coroné. No momento que as paca desentocaram, o homi mandô brasa e ouvi memo foi a choradera do Predileto. Nunca mais!

sábado, 30 de outubro de 2010

Uma Calculista

D. Mércia era do tipo recatada. 78 anos de mistério e discrição; solteira, solitária, pontual. A vizinhança começou a estranhá-la. Onde já se viu passear pelo bairro após o anoitecer? De certo D. Mércia perdera o juízo. Ainda mais com os boatos de estupro.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Clichê Caipira

Ao Cordel

Nasci na região do São Francisco, rio suntuoso, comendo em cuia. Mainha lavava roupa pra fora mas deixou a gente muito cedo, o que obrigou o pai a cuidar da ninhada sozinho. Aboiava em chuva e seco, noite e sol fervente, pra encher a barriga da gente. Mais novo que fui, tive oportunidade de ir pra capital com o Padrinho e me apeguei nos estudos. Ganhei bolsa em escola boa e conheci cambada adinheirada. Papai veio me ver quando ainda tava na faculdade e morri de vergonha da Aninha e dos colegas verem ele; sujo, magrelo, barbudo, cheirando a luta. Já era juiz na época em que ele tava no hospital e nem deu tempo de fazer o último pedido:
_ Oh Painho, ensina eu a ser matuto?

domingo, 19 de setembro de 2010

Loira Gelada


E o gelo choca
Com o calor do lábio,
As papilas a acolhem,
Mãe saudosa

E seu tráfico fluido
Abranda o medo, arrepia,
Costado de rio,

A vertigem rodopia boa,
Sentencia em si e a gula pula.
Todas as ninfas se transbordam,
Escorrem
Seus lábios me encharcam em off

E o círculo gira afoito
Permanece certo,
Engodo matinal

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Lei da Palmada

Cresci memo é nessas banda de cerrado aqui pros lado do Engenho. Companhia tinha nenhuma não, só essas parede de morro que danava de espiar a gente. Paulinho meu é o mais novo e com as melhoria de hoje, inclinou pros estudo. Dia que gritou com a mãe dele, sapequei-lhe as popa, mas danou de reclamar de mim. Veio gente da escola e dos governo dizer desaforo, que eu na qualidade de pai num podia corrigir Paulinho não. Coça memo ele tomou foi agora com barba na cara. Mas do soldado ninguém reclama não.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Caso de Polícia

Há muito o casamento estava morno; mesmice, filhos, trabalho. O Adelmo Guarda enfim se abriu para a discussão. Queimaduras de segundo grau, ossos da face quebrados, cabelos covardemente arrancados. Polícia, Maria da Penha. Adelmo quis saber o que era fio-terra.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Amor Virtual

E as teclas desfilavam como botos no coração caboclo de Moacyr. Não mais era feio, o carinho ausente resolveu se debruçar. Toda a selva virou Alice. Todos os toques não dados, perfumes não exalados e beijos promessa, latentes, quentes, beijos de Alice. Um falso abraço deveras sentido, mais fiel que o cão Nestor. Iniciar. Desligar. Moacyr já atrasado pro seringal. Alice tinha que ir pra procissão e a igreja mansão aguardava mais uma confissão mineira.

domingo, 25 de julho de 2010

A Melhor Piada do Mundo

Este texto é pra quem acreditaria que o humor seria uma das coisas mais sérias do mundo, se a seriedade fosse propriamente uma virtude. Aliás, não há humorista que em alguma entrevista, despido de sua personagem, não esboce uma carranca taciturna e não engrosse a voz.
Até no campo das letras, onde se imagina velhos barbudos, ranzinzas, com mau hálito e testa franzida, há quem se meta a pesquisar o humor. Dentre eles, o linguista estadunidense Thomas Veatch, que colocaria como parâmetro fundamental à produção do riso a seguinte trinca: NORMALIDADE, VIOLAÇÃO e SIMULATANEIDADE.
Geralmente quando uma piada é anunciada como excelente, perde-se boa chance de se ser bem-sucedido, ou seja, nossa plateia rirá no máximo de nossa tentativa frustrada de aparecer. Assim agirá boa parte dos leitores ao tomar conhecimento que o texto que vos será apresentado foi considerado por um centro de pesquisa da Universidade de Hertfordshire como a melhor piada do mundo:
“Dois camaradas estão caçando. Um deles cai no chão. O outro voa para o celular e liga para um hospital. Explica para a telefonista: _Ele está morto. Que é que eu faço? A moça do hospital: _ Primeiro, certifique-se de que está morto mesmo. Ouvem-se dois estampidos. Volta o primeiro caçador ao telefone: _Tudo bem. Agora, eu faço o quê?”
De acordo com os três elementos do humor, estudados por Veatch, o princípio da normalidade estaria presente na piada acima quando: I. dois amigos saem para caçar juntos (pressupõe-se que há um relativo grau de companheirismo entre eles); II. interpretamos que o caçador estaria preocupado com o companheiro, justificado pelo o uso do termo “voa” que nos mostra o aparente desespero com a morte do amigo; III. a telefonista sugere a certificação do óbito; IV. por ser caçador, o homem tinha uma arma, portanto, seria plausível haver disparos, o que colabora para a concepção de normalidade da história.
A violação, que seria o tempero fundamental para infringir o que aparentemente estaria normal, viria com os tiros disparados pelo caçador. Quando percebemos que um homem atirou no amigo para certificar que este estaria morto, inconscientemente interpretamos que sua preocupação não estaria no bem-estar do colega mas no seu. Sua ansiedade seria pelo fato de estar com um defunto na mata, o que o obrigaria a tomar providências.
Mas para que haja o humor, é fundamental que normalidade e violação ocorram em certo padrão de simultaneidade, ou seja, ao mesmo tempo somos obrigados a interpretar tanto que o caçador estaria preocupado com seu amigo morto quanto que estaria apreensivo ao prever o árduo trabalho que um defunto na mata o daria. Se lemos a história de um homem desesperado com a morte do amigo ou o caso do caçador cuja tarefa seria carregar um corpo na mata, em ambos os casos, a piada se transformaria em drama.
Se um contador de piadas prepara seu ouvinte para a violação ou se não cria o ambiente da normalidade, dificilmente seria bem sucedido em seu ofício, já que para a efetivação da ocorrência do humor, é fundamental que haja tanto um quanto o outro, mas nada disso adiantaria se não houvesse o princípio da simultaneidade.
Por isso, leitor, nada de anunciar que uma piada será extraordinária e desista se algum bêbado de plantão atravessar sua fala antes do desfecho da dita-cuja, isso irá impedir que a normalidade e a violação atuem em paralelo, simultaneamente.

sábado, 10 de julho de 2010

A Revolta das Cifras

Ariosvaldo era um sujeito comum mas não suportava nada que era considerado legal. Uma de suas maiores implicâncias era com música, era danado para censurar o que estava na moda. Isto foi lhe causando problemas a ponto de se sentir amedrontado.
Costumava conversar com gente mais velha porque se sentia melhor, gente velha é forte para as adversidades. Chegando na casa da avó, percebeu que o som estava alto e a idosa dançava ao som do refrão fácil; mãos nas costas, a outra segurando a bengala e as pernas finas tentando ritmar ao som do batuque. Soube depois que conseguiu virar cantora, fez dupla com Dona Emengarda.
Procurar os amigos seria inútil, hora destas já estariam com os olhos vidrados e balançando as cabecinhas ao som das frases-feitas. A Aninha cantava segurando no peito, pensando no amor que já teria partido, justo ela que namora há 12 anos, mãe-solteira e está quase se casando. Paulo Roberto é o maior cachorrão, não fica duas semanas com a mesma mulher e incompreensivelmente se viu apaixonado, bailando e olhando para o céu imaginando a amada que não tinha (logicamente por escolha e gosto).
Meio sem entender, o desagradável Ariosvaldo procurou a família. Pensou que mesmo o pessoal de casa sendo atingido pela onda musical, entenderiam o caso e dariam a maior força naquele momento delicado. Foi exatamente o que aconteceu. Com muito esforço, a família de Ariosvaldo comprou fones de ouvido e tentava não repetir os refrões. Mas o barulho nas ruas era desesperador, os carros passavam com os sons no último volume e a casa balançava; Ariosvaldo começou a enlouquecer.
A saída seria botar CD pra tocar, mas todos eles haviam sido inacreditavelmente convertidos. Suas seleções de clássicos ordenavam-no a bater nas botas e nas palmas das mãos, Chico Buarque compunha pra Marieta clamando pela reconciliação, João Gilberto fazia clipes em festas de rodeio, montava nos bois e esporava os coitados até sangrar. Mas os bichos também já dançavam mesmo no brete, ansiosos para participarem da festa, sempre em duplas. Bois-de-carro?
Em Brasília, Gil compunha às dúzias, iniciando campanhas. E o povo candango empoeirava as botas, fazendo a terra subir na secura do Planalto Central. Dona Marisa ordenava que as calças do presidente viessem com numeração inferior, seria uma oportunidade e tanto para Luís Inácio, que cantava em nome do povo.
Em meia hora a casa de Ariosvaldo já estava cercada. Inspirado na Revolta da Vacina, o povo exigia o linchamento do rapaz. Com botas finas e chicotes na mão, a população derrubou a porta, avançou afoita e inutilmente desferiu golpes nos ouvidos de Ariosvaldo, que já estava morto bem antes da residência ser invadida.

sábado, 3 de julho de 2010

Ex-Casados

E o ar se impregnava de um lirismo louco, proibido, temperado. Aves de rapina sobrevoavam a alcova, planavam têxteis, lentamente. O uivo dos amantes contagiava a erupção da Terra, desafiando o som, desfiando-se em pecado, tremendo as luzes de motel . Desde o desquite é assim.

domingo, 27 de junho de 2010

Causo Medonho


A Mário Palmério e a todo matuto que se mete com leitura


No curral os aciprestes denunciavam o desassossego e a nelorada olhava comprido pro meio da moita. Era a preciosa, temida, procurada. Cobra-monstro. Verdade a gente só sabe mesmo é quando vê; buliçosa, roliça que nem pneu liso. Diz Paulinho Paiva que teve caso até de carregar menino em beirada de rio. Marrucão Granola foi par pra ela não. Na labuta de perna, bichão enroscou que nem visgo em asa de Sanhaço. Um buazão grosso deu fim na cena triste e o Confins ficou mais abatido nesse dia.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Represados

Depois que a usina veio pra cá, papai pegou mais peixe não. Ficava brabo como o demo e a mamãe falava em mudar pra cidade. O velho dizia que prá lá num voltava não. O que o governo faz num tem volta. O rio mundão parou, estancou, represou, que nem a vida da gente. Na última vez que o papai foi pescar, demorou mais que de costume. Fui procurar ele no rio. O chapéu do papai veio à margem despedir de mim.

domingo, 23 de maio de 2010

Antero

Antero andava até falando sozinho, ciscando sentido nas coisas. Puxava riso da meninada, principalmente quando souberam que foi expulso do salão. Era doido com a Soninha, que quase espancou o coitado por ter entrado lá com a cabeça ensopada. Na última investida de Antero, ela soltou que jamais queria homem pobre e com cabelo desidratado. Ele então quis resolver por partes.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Espera

Sá Firmina costura a solidão desde a morte da mãe. Silenciosa, vive grisalha e macambúzia na Serra do Taboão. Os olhos duros excediam recusa e aflição, esperneavam em vão. Meias longas, pano na cabeça, pele rubra e amarrotada pelo tempo e dor. Seu Moacir tinha enviuvado de véspera. Então Sá Firmina mancou com um pano branco e demodé até à casa da Cida Costureira.

sábado, 17 de abril de 2010

Kitsch

Foi tudo em função de um simples esquecimento de mãos. Na verdade foram pernas, por baixo da mesa de bar. A duração do primeiro beijo só não se comparou à do olhar inquieto e monótono. Nesse caso a noite de insônia nasceu pra não se acabar e acabando jamais acabo o conto mais clichê que nunca escrevi.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Manchetes

23/10/2048
FOLHA DE MINAS

Manchetes:

“Sancionada nova lei que regulamenta a reforma ortográfica. Estão extintos os acentos da língua portuguesa.”



“Manifestação dos cágados, contrários à reforma, provoca morte no sul do estado”

sexta-feira, 26 de março de 2010

A Volta ao Mundo em 80 Anos

Certa vez, no continente africano, ocorreu o encontro anual dos bichos. Como de praxe, todas as espécies foram obrigadas a enviar um representante para que fossem discutidas questões relevantes a toda fauna mundial. Antes mesmo do início do evento, o representante humano foi brutalmente assassinado por ter atirado uma lata de cerveja no Nilo. Um bagre kamikaze envenenou-se e se deu de presente ao bebum. Trágico...ao bagre. Antes do final do encontro, uma curiosa disputa foi travada por quatro bichos; a tartaruga Fíleas, o papagaio Parole, a hiena Sat e o tigre Fodium. O trato foi dar “a volta ao mundo em 80 dias”, em alusão ao escritor homenageado do ano, Júlio Verne (autor do livro de mesmo nome da disputa). E assim aconteceu. Cada bicho foi seguindo seu trajeto à sua maneira. Parole era um sujeito meio avesso à discrição. Não se importava em ser inconveniente e era do tipo que falava o que dava na telha, pois não devia nada a ninguém. Não chegou nem a sair da África. A leoa ficou sabendo o que o empenado relatou a seu respeito. Disse ao leão que ela estava de rolo com o Leopardo. Pobre Parole, virou papinha de filhote. Sat era um camarada não tão veloz, mas muito influente, já que era mestre em fazer a bicharada rir. Geralmente escolhia alguém para Cristo e descia a lenha, ou melhor, a língua. O som de suas gargalhadas ecoava savana afora e sua vítima preferida era o hipopótamo. Sempre juntava a macacada para rachar de rir do coitado, sua obesidade virava motivo de chacota na África. Por ironia do destino, no primeiro mar que precisou atravessar, foi convidado a aceitar uma carona da baleia, que já sabendo do drama do hipopótamo, resolveu se vingar. Já em alto mar, o gigante dos mares deu uma dançadinha e derrubou Sat de suas costas. E então gritou para o sorridente defunto: obesidade não é piada. Fodium era cheio de si, daquele tipo que se acha muito superior do que realmente é. Aceitou o desafio por não aguentar mais as pressões do mundo felino, cansado de ser um gato de terceira, tendo de acatar ordens do senhor leão. Como nos humanos, sempre que algum bicho se sente inferiorizado, ele tenta se mostrar mais forte. Seria mamata vencer aquele vira-latas fedorento, a cocota faladeira e o morto-vivo se no meio da Ámerica não houvesse Iara Tiger, uma bela e suculenta sereia que o atraiu para as profundezas do Amazonas. Coitado, morreu achando que Iara salvaria tão bela e espadaúda criatura. E quanto a Fíleas? Exatamente 80 anos depois a tartaruga chega novamente à África, recebida com muitos aplausos e festa. Quando indagada pela senhora coruja como conseguiu tal feito, embora atrasado, Fíleas respondeu que para isso precisou viver quase um século e que o segredo está em cuidar apenas da própria vida.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Casca

E ela desfilava de botas longas e roupa nua. Seu cheiro regava a noite lenta, pingava excesso. Olhava austera e com desdém a classe média, chutava em nãos. Descartava sem usar o verbo. Em seu rosto a delicadeza dos traços, alvejados pela inveja. Mas naquela noite o blush se rendeu às lágrimas. No banco traseiro do carro oficial havia um bolo caseiro com cheiro de mãe.

domingo, 14 de março de 2010

Pitty comeu rã

Há muito a internet tem sofrido sensível mudança em seu conteúdo. Esta afirmação poderia parecer menos óbvia se especificássemos que tipo de mudança é esta e como a mesma está sendo processada. Houve um tempo em que a rede foi vista como uma espécie de enciclopédia virtual, ou seja, por lá fazíamos nossas mais específicas consultas, abismávamo-nos a cada dia com as inovações quantitativas e qualitativas de seu conteúdo. Não cometeríamos a subversão de afirmar que as pesquisas virtuais não mais existem e muito menos que diminuíram quando o que ocorreu foi a inclusão de uma infinidade de redatores (autores) então anônimos. Blogs, fotologs, Orkut, twitter, etc são apenas alguns exemplos de meios em que se publicam os mais diversos assuntos. O simples consultar a cada dia compete mais com o criar. A questão é: o que se cria? Seríamos absurdamente anacrônicos se afirmássemos que a criação na internet é algo negativo. Uma quantidade imensa de intelectuais, incluindo jornalistas, psicólogos, professores e até escritores publicam e são lidos graças à rede. O problema é que há uma massa de informações inúteis que nem sempre são facilmente evitadas ou pelo menos separadas do que é bom. Grande parte do que se joga na net é fatalmente dispensável e há uma explicação para as exclamativas reações dos leitores – “o que é que eu tenho com isso?”. A lingüística justifica tal postura indignada a partir da existência de um tipo textual denominado “expositivo” ou “informativo” e sua função é fazer com que o leitor adquira um conhecimento que até então não possuía. Embora isto não nos permita a falar para alguém tudo de que sabemos. Qual seria a função de afirmar que a cantora Pitty comeu rã pela primeira vez a alguém que não a conhece intimamente ou que não possui a mais ávida curiosidade sobre sua vida particular? Inconscientemente, quando lemos um texto ou ouvimos uma mensagem, criamos expectativas quanto a isto. Ou seja, ao deparar-nos com um tipo textual informativo, esperamos por uma informação com o mínimo de importância para nós. A transmissão destas informações deve seguir um critério denominado “informatividade”, ou seja, só falamos o que acharmos necessário para a pessoa e para o contexto em questão, esforçando-nos ao máximo para realmente sermos relevantes. Portanto, quando nos deparamos com a mensagem; “Hoje acordei de mau humor”, sem pelo menos convivermos com o autor, somos levados a achar que estamos recebendo um conteúdo desnecessário. O grande objetivo de nossa comunicação é o ouvinte (leitor). Assim, quanto mais nos adequarmos ao contexto e a quem recebe nossas informações, para que nossos textos tenham o mínimo de relevância, mais eficiente será nossa linguagem e com mais clareza e pertinência poderão ser recebidas nossas ideias.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Tchau

O nome, desconhecido por omissão e gosto. 70 e poucos anos e uso diário da mesma roupa, embora limpa. Sapato baixinho, meia pela canela e o vestidinho estampado, cheio de vida. Os olhos, inertes como a luz, sem luz. O cabelo, indefectível. Impecavelmente penteados, dançavam brancos em dia de vento. Habitava a rodoviária havia alguns anos. Chegava sempre no mesmo horário, costurando o tédio e mascando o ócio. Nunca sorria, nunca falava. No último dia em que foi vista, pagou uma passagem mesmo sem pegar o ônibus.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Um Pára-quedista

Herdara a fábrica de pára-quedas do tio. Esperança de fuga da vida proletária. A contragosto ia armando as cordas quando um amigo do Tio Tales se aproximou. Bombardeou-o de dicas: pára-quedista só erra uma vez. Disse e se foi.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Primeiro Beijo

O juízo deslizava por entre os dedos como os dedos de quem provoca. O conselho mamãe perturbava como o gelo. O olho torpe da malícia se esfregava, se atirava e chupava o rosto da menina. As línguas transaram, desajeitadas, primeiro voo. O perfume pecado se mesclou ao suor, clareando o cheiro do temor. Chegou em casa afanando a gilete do papai ausente. Inútil o gelo na ferida: joystick já se sujou, todo delator.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

P/Exportação

Não entendeu quando foi retirado dos outros. Nova casa é arejada, no Caminho conheceu até o sol. Patinhas não sustentavam o corpo suíno e desproporcional, nutrido a engodo e exagero. Mal nasceu e já se tornou adulto, sem o gosto do leite. Nunca mais viu mamãe. Estranhamente conheceu o paladar. Galera não vai acreditar na delícia dos abacaxis. Num átimo, a mercadoria foi pendurada pela perninha, confundindo-se com as outras. Imóvel, permaneceu com a feição leitão que lhe amputaram.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Casamento

Os olhinhos velozes deslizavam o diário, como se ainda fossem virgens. O papel de bala precisava a data daquele encontro, cheio de rugas. Ela então fitava o costado das mãos. O cheiro já inexistente do namorado insistia em impregnar. Ouvindo o nome berrado, mancou até a cômoda e se escondeu com o diário.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Sedução

Carros de som competiam indecência enquanto as damas do funk ostentavam suas coxas e cavas; cabelos verdes, todos verdes. Calcinhas à mostra beijavam o asfalto urinado. O refrão insano vidrava seus olhos, tremelicando os corpos molhados, suados, salgados, sem alma. Por um ouvido, música ridícula, por outro, ejaculação da mente. A pinga barata já maquiava a vista faminta do sambista quando se lembrou da esposa. Pisando em ovos, abriu a porta. Teresa de roupão era mais nua que a própria nudez. Chapéu coco pra um lado, a calça branca pro outro. Enfim o sambista desejou.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Os Chatos

Existe uma figura que sempre me chamou a atenção (será que por alguma semelhança?) em muitos ambientes em que frequento. Geralmente este tipo costuma ser evitado, costuma repelir, chamam-no até de gambá, desmancha-rodinha, etc; (auto?) homenagem ao chato?
Seria a chatice só um estado de espírito? O sujeito estaria chato? Colocaria o dedão no chatômetro pra medir seu grau de chateza do dia? Se passasse do nível 7 seria proibido de sair de casa, com pena de multa se o fizesse.
Tem tipo diferente de chato? Aquele que conversa te abraçando e com o rosto colado no seu (geralmente com mau hálito). Tem o chato sabe-tudo, especialista de assuntos mais específicos, ninguém é tão hábil motorista do que ele, jamais nasceu mortal tão entendido de mulher, é o campeão de conhecimentos gerais. O chato religioso não te deixa falar e é capaz de afugentar até Zeus com 3 minutos de prosa, este convence Gandhi a matar, judeu a comer porco, satanista a fazer caridade, etc, só para não tê-lo por perto.
Todo chato que se preza, sopra fumaça de cigarro na sua cara, costuma ter uma quedinha por escândalo, pega microfone em festa e quando compra carro, mete som potente fazendo questão que todo mundo escute (comumente tocando Chico Buarque, Villa-Lobos ou mesmo um Tchaikovsky básico, né?).
Na mídia tem chato? Aquele que manda beijinho e ainda tomba a cabecinha. Faz um gol e vira Deus, olha pra tela e te enche a cuca de clichê (geralmente iniciados em “eu acho”). Ainda bem que tem uma galera simpática: Faustão, Kalil, Perrela, Ana Maria Braga, Padre Marcelo e claro, a rainha Meneguel. É tudo gente de primeiríssima, uma companhia e tanto pra uma mesa de bar, por exemplo.
Chato te para na rua, não te larga enquanto sua pressão não chega a níveis catastróficos e ainda pega na sua mão impedindo a fuga. Conversa é dando tapa, te lembra de ex (na frente da atual, claro), te dá lição de moral (comumente citando exemplos da própria vida), e ainda por cima pega seu email pra te enviar uma porrada de corrente e mensagens em massa. Manda tudo quanto é bonequinho, bichinho e letrinha pra você clicar.
Mas nenhum chato supera o cronista. É o cara que fica com a caneta na mão perdendo o tempo dele e do leitor pra falar de uma coisa que todos nós temos um pouquinho. Um brinde a todos os chatos (assumidos ou no armário).

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Vingança

Doutor Moreira era homem forte. Segundo mandato em Brasília. Carlinha minha trabalhava na casa dele e mês passado chegou amuada e chorosa no barraco. Menina bonita dessas pode chorar não. Ainda mais que é da gente. Rapazinho do Doutor Moreira começou atentar Carlinha em casa e eu fui lá tirar satisfação. Até o barraco Doutor tirou de nós. Fui eu mais o pequenininho dormir em cima de cova; morto a vista, ar defunto, bicho a revelia. Na mesma época passei a vender churrasquinho pertinho da escola do rapazinho.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Prosperação

A porta aberta foi a última saída; quanta dúvida, anemia, desespero. Os berros, flores, luzes a enchiam de uma estranha esperança. De que valia dez por cento de sangue mensal?seu plasma se multiplicava às vãs aleluias daqueles encontros. Vestidos longos sussurravam contraste sobre os corpos queimados de periferia. Aleluia! Gritava o homem de terno, esguichando um sorriso salvador por entre os caninos.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Companhia e Cia

Os edifícios de centro de cidade falsamente o abraçavam e o faziam incompreensivelmente se sentir mais só. O gosto do concreto se misturava à secura da boca, que recebia enojada o sal do suor. Os transeuntes denunciavam seu abandono, quicava, esbarrava almejando toque. Depois via os gestos das bocas que o praguejavam. Vendedores surgiam, vendedoras propostas, todas lindas, de vidro. Até que quase ficticiamente aparecem três ex-colegas da companhia e o arrastam para o fast-food mais próximo. Os sons de seus lábios se misturavam, seus olhos atiravam fúria e questionavam a carteira vazia. Sozinho, viu-se acompanhado e concluiu que o ninho da solidão deve ser a copa de uma megalópole.