Há muito uma utilização do português vem me chamando a atenção, não por acreditar que irá prejudir ou melhorar o idioma, já que desde os tempos da Ribeirinha a língua vem servindo muito bem a seus usuários e esse papo de que ela está acabando ou piorando não vem de hoje.
Antes que o leitor mesmo que mentalmente me esbofeteie, crendo com razão que toda esta minha divagação lembra-o ainda mais dos produtivos discursos eleitoreiros (como se não bastassem os carros de som e o horário gratuito), afirmo que o que me vem chamando a atenção é o uso do gerúndio – forma nominal do verbo terminada em “-ndo”, como pegando ou fechando.
Ligado tradicionalmente à idéia de que uma ação ainda está sendo executada, o gerúndio tem sido usado de maneira curiosa por sua ocorrência em contextos antes não vistos. Por exemplo, na frase “Estarei entregando jornais pela manhã”, não há nada de diferente dos usos gerais dessa forma verbal, pois a entrega de jornais, neste caso, não é uma ação rápida, ocorre aos poucos. Mas no caso de “Estarei enviando o email em breve”, o verbo enviar já não é durativo (neste contexto), deveria ser instantâneo. Esta utilização excessiva é chamada de gerundismo.
O uso de gerúndios em “enviar, providenciar e decidir” é fundamental em discursos do famigerado telemarketing (isso mesmo, leitor, aquela criatura que te interrompe o almoço para enfiar-lhe goela abaixo um cartão de crédito ou aquele sotaque diferente que gasta 2 horas do seu domingo e não resolve o problema mais simples do seu celular) e a estratégia usada é justamente acrescentar a estes verbos a idéia de um tempo durativo, o que diminuiria a responsabilidade de uma promessa ou até atenuaria os nervos do injustiçado consumidor, ávido pela solução imediata de seu problema.
Podemos perceber como é menos comprometedor para uma empresa de telefonia, por exemplo, afirmar que um funcionário “estará entrando” em contato com o cliente do que “entrará” ou “irá entrar”. Nos dois últimos casos, seria muito mais provável o consumidor perguntar “Quando?”.
Se um aparelho de celular apresentar um defeito, observe as seguintes possíveis respostas de um atendente: I- “Vamos estar conseguindo um novo aparelho.” ou II- “Conseguiremos um novo aparelho.”. Qual das duas representaria uma solução rápida e objetiva do problema? Enquanto I indefiniria a data, o momento de entrega do celular, II fatalmente viria seguida de “Que dia?”, “Quando?”, etc.
Muitos afirmam que o gerundismo teria vindo ao Brasil de empréstimo da língua inglesa, através de manuais (traduzidos literalmente) destinados àlgumas empresas mas ainda não há nada de científico nesta hipótese. O que podemos assegurar é que o uso do gerúndio em verbos cuja ação não denota sentido durativo (“dar” um tiro, “escorregar” no piso, etc) é fundamental para alguns setores comerciais e sua função é indefinir a data da realização de algum serviço ou ação em geral.
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sábado, 29 de agosto de 2009
Entre Anáforas e Anáguas
Tema constante em gramáticas e manuais de estilo, a anáfora ultrapassa regras de escrita, de boa redação, pois é mais utilizada no dia-a-dia do que podemos imaginar, já que muitas vezes surge de forma imperceptível.
Anáfora (por mais que se pareça com nome de peça íntima) nada mais é do que o termo ou expressão que retoma idéia já falada em um determinado texto. Pode surgir através de um pronome (este, que, essa, aquilo), de uma característica (o maior, a mais alta, o dentista) ou até mesmo através da elipse (quando a própria flexão verbal denuncia o sujeito, não havendo necessidade de utilizá-lo).
Observemos a frase: “[1] Alfredo chegou ao apartamento dos tios que moram em BH mas encontrou apenas um deles.” Neste caso, temos a elipse antes do verbo encontrar. Sabemos que quem encontrou foi o Alfredo e não os tios porque o verbo só pode estar ligado a um ser que esteja no singular. Exceção para casos em que apartamentos encontram pessoas, muitíssimo comuns em folhetos publicitários.
Não há como construirmos um texto sem que trabalhemos com o conhecimento prévio do leitor. Na frase [1], sabemos que Alfredo possui tios fora de BH sem que isto tenha sido dito às claras. Ou seja, anáforas são fundamentais em um texto, embora possam prejudicar a leitura, como em: “[2] Encontrei o Beto com a Natália e o Zé no estádio e aproveitei o intervalo para falar-lhe do meu projeto.” Ou ainda “[3] O sargento entregou ao soldado sua arma.”
Nestes dois casos, a anáfora deixaria um leitor, sem conhecimento prévio dos assuntos, no mínimo confuso, pois em [2], o pronome lhe pode se remeter tanto a Beto quanto a Zé quanto a Natália. Já em [3], o possessivo sua igualmente pode estar ligado ao sargento ou ao soldado, construção ambígua (com mais de um sentido).
Além da ambigüidade, a anáfora pode prejudicar um texto de outras maneiras, como; “[4] Não comprei os tomates porque todas as frutas encareceram” (para exemplo atual, aumento salarial!) Aqui, a anáfora ocorre no termo frutas, que retoma “tomates”. Mas a frase seria muito mais assimilável se no lugar deles colocássemos maçãs. Isto ocorre porque estas estão muito mais associadas a frutas do que aqueles – é sempre importante considerar que existem leitores diferentes, enquanto uns entendem com facilidade, outros nem tanto.
Mesmo com estes problemas, as anáforas são indispensáveis à produção de um texto. Não há como explicarmos tudo que está implícito em nossa fala (ou escrita), seríamos mais tediosos que os amiguinhos do telemarketing. É fundamental termos sempre em mente que quanto mais legível estiver a associação entre duas palavras ou expressões, mais facilmente seremos interpretados e que a anáfora é responsável pela construção de textos mais claros e menos repetitivos, enfadonhos.
Quanto às anáguas, sem mágoas, que suas donas sejam (ou foram) sempre louvadas!
Anáfora (por mais que se pareça com nome de peça íntima) nada mais é do que o termo ou expressão que retoma idéia já falada em um determinado texto. Pode surgir através de um pronome (este, que, essa, aquilo), de uma característica (o maior, a mais alta, o dentista) ou até mesmo através da elipse (quando a própria flexão verbal denuncia o sujeito, não havendo necessidade de utilizá-lo).
Observemos a frase: “[1] Alfredo chegou ao apartamento dos tios que moram em BH mas encontrou apenas um deles.” Neste caso, temos a elipse antes do verbo encontrar. Sabemos que quem encontrou foi o Alfredo e não os tios porque o verbo só pode estar ligado a um ser que esteja no singular. Exceção para casos em que apartamentos encontram pessoas, muitíssimo comuns em folhetos publicitários.
Não há como construirmos um texto sem que trabalhemos com o conhecimento prévio do leitor. Na frase [1], sabemos que Alfredo possui tios fora de BH sem que isto tenha sido dito às claras. Ou seja, anáforas são fundamentais em um texto, embora possam prejudicar a leitura, como em: “[2] Encontrei o Beto com a Natália e o Zé no estádio e aproveitei o intervalo para falar-lhe do meu projeto.” Ou ainda “[3] O sargento entregou ao soldado sua arma.”
Nestes dois casos, a anáfora deixaria um leitor, sem conhecimento prévio dos assuntos, no mínimo confuso, pois em [2], o pronome lhe pode se remeter tanto a Beto quanto a Zé quanto a Natália. Já em [3], o possessivo sua igualmente pode estar ligado ao sargento ou ao soldado, construção ambígua (com mais de um sentido).
Além da ambigüidade, a anáfora pode prejudicar um texto de outras maneiras, como; “[4] Não comprei os tomates porque todas as frutas encareceram” (para exemplo atual, aumento salarial!) Aqui, a anáfora ocorre no termo frutas, que retoma “tomates”. Mas a frase seria muito mais assimilável se no lugar deles colocássemos maçãs. Isto ocorre porque estas estão muito mais associadas a frutas do que aqueles – é sempre importante considerar que existem leitores diferentes, enquanto uns entendem com facilidade, outros nem tanto.
Mesmo com estes problemas, as anáforas são indispensáveis à produção de um texto. Não há como explicarmos tudo que está implícito em nossa fala (ou escrita), seríamos mais tediosos que os amiguinhos do telemarketing. É fundamental termos sempre em mente que quanto mais legível estiver a associação entre duas palavras ou expressões, mais facilmente seremos interpretados e que a anáfora é responsável pela construção de textos mais claros e menos repetitivos, enfadonhos.
Quanto às anáguas, sem mágoas, que suas donas sejam (ou foram) sempre louvadas!
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Vocês
Você vem
Você me tem
Você é quem?
Você meu bem
Você aquém.
Você vem cá
Você vá
Você pra lá
Você não é,
Você está...
Você não há
Você me tem
Você é quem?
Você meu bem
Você aquém.
Você vem cá
Você vá
Você pra lá
Você não é,
Você está...
Você não há
domingo, 23 de agosto de 2009
Imagens Também Cortam
Há pouco, andei folheando literatura infantil em biblioteca de escola para matar tempo vago, curiosidade ou saudade mesmo; talvez para tentar me dissuadir que os 35% de analfabetos funcionais do país não são por culpa de políticas educacionais desinteressadas e sucateadas mas por uma possível deficiência de leitura ainda na infância, o que obviamente não é verdade.
O que me impressionou não foi o texto escrito do material que encontrei mas suas ilustrações. Talvez nem capacidade teórica de analisar literatura infantil tenho (não possuo formação para desempenhar tal ofício), o que me obrigou a iniciar este texto (dêem nome a isto, leitor! Que tipo de texto é esse?) em primeira pessoa, deixando claro que trago aqui nada mais que impressões.
A questão é que livros recentes continuam estereotipando figuras da nossa sociedade. É incrível como personagens ligadas ao mal, como bruxas e vilões, são associadas à feiúra. Verrugas na testa, roupas rasgadas e esteticamente distorcidas, cabelos esganiçados, referências à altura - gigantes são sempre ruins (eu protesto!).
Considerando nossa diversidade étnica, já evidenciada na sociologia (aqui no Brasil) desde as primeiras décadas do século passado, principalmente através de Gilberto Freyre, as ilustrações em algumas obras infantis permanecem alienadas. O negro, o índio, o amarelo ainda exercem função de coadjuvantes na ação das histórias, quando não associados à imagem da deselegância. A princesa (ou príncipe), se não segue o protótipo da raça ariana, associa-se mais uma vez à idéia de beleza e bondade, como se as duas coisas caminhassem juntas.
Talvez a mais irônica das figuras seja a do ladrão; sempre pobre, sujo, sem dentes, roupas rasgadas e de preferência feio. O que responder à criança que disser que o bandido do Jornal Nacional não se parece com o do livrinho da escola? Coitadinha, vai perceber que criminoso no Brasil usa terno e gravata. E pior, o que falar se ela associar o ladrão da aula de leitura ao trabalhador que presta algum serviço em sua casa ou ao pai da coleguinha que está chegando da lida com a sacola de pão?
Talvez daí possamos compreender porque a beleza é constantemente associada, pelos já crescidinhos, ao caráter ou até mesmo à competência profissional. Grande parte do comércio é extremamente preconceituosa em se tratando de estética; em ofertas de emprego (principalmente para mulheres) não é incomum observarmos o “de boa aparência”, ou seja, cumprindo o padrão de beleza vigente em novelinhas, programas infantis ou de auditório e ilustrações dos livros de criança.
Ser bonito ou feio (o que acredito estar nos olhos de quem vê) não deve ser associado ao que é bom ou ruim. Gostos são heterogêneos e preconceitos não são transmitidos só por palavras mas por gestos e imagens, principalmente ilustrações de livros infantis, que são direcionadas a um público em plena formação no que tange a visão de mundo.
O que me impressionou não foi o texto escrito do material que encontrei mas suas ilustrações. Talvez nem capacidade teórica de analisar literatura infantil tenho (não possuo formação para desempenhar tal ofício), o que me obrigou a iniciar este texto (dêem nome a isto, leitor! Que tipo de texto é esse?) em primeira pessoa, deixando claro que trago aqui nada mais que impressões.
A questão é que livros recentes continuam estereotipando figuras da nossa sociedade. É incrível como personagens ligadas ao mal, como bruxas e vilões, são associadas à feiúra. Verrugas na testa, roupas rasgadas e esteticamente distorcidas, cabelos esganiçados, referências à altura - gigantes são sempre ruins (eu protesto!).
Considerando nossa diversidade étnica, já evidenciada na sociologia (aqui no Brasil) desde as primeiras décadas do século passado, principalmente através de Gilberto Freyre, as ilustrações em algumas obras infantis permanecem alienadas. O negro, o índio, o amarelo ainda exercem função de coadjuvantes na ação das histórias, quando não associados à imagem da deselegância. A princesa (ou príncipe), se não segue o protótipo da raça ariana, associa-se mais uma vez à idéia de beleza e bondade, como se as duas coisas caminhassem juntas.
Talvez a mais irônica das figuras seja a do ladrão; sempre pobre, sujo, sem dentes, roupas rasgadas e de preferência feio. O que responder à criança que disser que o bandido do Jornal Nacional não se parece com o do livrinho da escola? Coitadinha, vai perceber que criminoso no Brasil usa terno e gravata. E pior, o que falar se ela associar o ladrão da aula de leitura ao trabalhador que presta algum serviço em sua casa ou ao pai da coleguinha que está chegando da lida com a sacola de pão?
Talvez daí possamos compreender porque a beleza é constantemente associada, pelos já crescidinhos, ao caráter ou até mesmo à competência profissional. Grande parte do comércio é extremamente preconceituosa em se tratando de estética; em ofertas de emprego (principalmente para mulheres) não é incomum observarmos o “de boa aparência”, ou seja, cumprindo o padrão de beleza vigente em novelinhas, programas infantis ou de auditório e ilustrações dos livros de criança.
Ser bonito ou feio (o que acredito estar nos olhos de quem vê) não deve ser associado ao que é bom ou ruim. Gostos são heterogêneos e preconceitos não são transmitidos só por palavras mas por gestos e imagens, principalmente ilustrações de livros infantis, que são direcionadas a um público em plena formação no que tange a visão de mundo.
sábado, 22 de agosto de 2009
Anos 60
Que a Janete tinha perna boa que nem canção do Roberto ninguém nunca negou. Daí surgiu aquela saia pequena, indecente, impositiva e o colégio todo virou Janete, embasbacado, besta que nem batuque de rock. Nenhuma das nossas filhas saiu com a perna assim, mesmo experimentando a contragosto a saia gagá. Então decidi que a delícia não tá na perna nem na saia.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Êxodo Rural
Ainda não entendera a solidão babaca que insistia em me abraçar. Não pela balconista desprezo, pelos olhares não tidos, pela multidão opaca ou mesmo pelo silêncio metropolitano. O domingo garoa, a música clichê, o cheiro azedo do álcool e a descompanhia insípida deviam doer muito menos que a bala coragem.
La Febbre
há febres que não são ditas
frases que nunca se curam
Ah, o silêncio tagarela dos olhos...
mas como crer na verdade
se a certeza incomoda?
...de pedra!
Entender o que se não há dúvida,
Se de perto nada é correto?
frases que nunca se curam
Ah, o silêncio tagarela dos olhos...
mas como crer na verdade
se a certeza incomoda?
...de pedra!
Entender o que se não há dúvida,
Se de perto nada é correto?
Tião Valente
Tião Valente perderia serviço naquela quarta de jogo. Era preciso chegar antes, obter o ingresso e alcolizar a espera pelo espetáculo que iria parir uma amarga derrota. Que a volta ao barraco seja adiada, mesmo suportando humilhação de rival e dedo na cara por entre os flashes de lucidez no bar da alegria. O cheiro do vômito na cama, a boca desfigurada, o dedo ereto e roxo denunciavam o prejuízo de um mês que bem pagaria e apagaria as feridas da esposa de Tião Valente.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Assalto
A Cláudia Coutinho
Como não compensa? Só a carinha gostosa deles recebendo a presentada já paga esse suplício diário. Lata de sardinha é melhor, apertada e fede mas não balança. Catraca maldita. Entra mais gente ainda na lata. E agora essa: bolsa aberta. Aposto um doce de mamão se não é o gatuno maldito de calça rasgada. _ Entrega logo o que tem que tudo fica como tava! Chegando em casa abri a bolsa e percebi que o roubo não foi só nela. A consciência se foi e veio só o documento amassado com o cartão assistencial.
Como não compensa? Só a carinha gostosa deles recebendo a presentada já paga esse suplício diário. Lata de sardinha é melhor, apertada e fede mas não balança. Catraca maldita. Entra mais gente ainda na lata. E agora essa: bolsa aberta. Aposto um doce de mamão se não é o gatuno maldito de calça rasgada. _ Entrega logo o que tem que tudo fica como tava! Chegando em casa abri a bolsa e percebi que o roubo não foi só nela. A consciência se foi e veio só o documento amassado com o cartão assistencial.
Amor Moderno
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Baile de Carnaval
Como ficava ao lado da rodoviária, o Star’s foi o destino da estudantada que aguardava a saída do ônibus. Afinal era carnaval e mesmo limpando o sebo do copo e sujando a boca de farinha com o churrasco de esquina, o Star’s era uma saída. Ela dançava trêbada e suja, ostentando a magreza cada dia mais cadavérica. Chorava pelo churrasquinho negado e pela febre insistente. No banheiro, aceitou ser tomada, mesmo percebendo o estouro do preservativo. Sorria por sentir o odor de perfume caro e pelo cheiro da vingança: _ Na carne me perdi, pela carne entristeci!
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Papo de Escorpião
nasce senhor de si o ódio,
de monstro onipotente a salvação da lavoura
o inseto te recebe,
glamouroso ódio,
com o espasmo de um vencedor
e te despeja,
sobre o pobre cordeiro,
com a ânsia de um orgasmo
de monstro onipotente a salvação da lavoura
o inseto te recebe,
glamouroso ódio,
com o espasmo de um vencedor
e te despeja,
sobre o pobre cordeiro,
com a ânsia de um orgasmo
Nove Meses
Engasgava com o soluço. A cara vermelha ainda pimentava de injustiça. A velha primeira boneca, sapatinho surrado e na boca o gosto de sangue e sal. Mal sabia que o chumbo do julgo, do medo e da indiferença pesava ainda mais que a mala rasgada.
O Executivo
Minha volta para o interior se deu principalmente pela ojeriza a toda aquela confusão: ar-condicionado, computador gritando serviço, gravata forca. Tudo isso me mostrou que minha raiz é definitivamente rural. Após assinar a escritura da Fazenda Novo Tempo, só pensava em reiniciar com o leite. De cara obtive a vaca Bugia. Comprei do velho turco Said. Uma fortuna mas boa de balde. Dois anos e nada de prenhez, fugia e até brigava com o touro. Cansado e furioso, mandei matar.
_ Doutor, se o senhor num for ficar cum os bago, posso levá? É pros cachorro.
_ Doutor, se o senhor num for ficar cum os bago, posso levá? É pros cachorro.
Frango de Padaria
Já tinha passado das 10 naquele domingo chuvoso. Certamente a população já adormecia alimentada, mesmo que de ilusão. E aquelas três aves permaneciam na estufa desligada; não-perecíveis, inorgânicas, rejeitadas, sintéticas. Mais imóveis que o relógio e os olhos do garçom inquieto. Fitava aquelas não-criaturas mascando, temperando a massa plástica com o sal do choro oculto e rindo da artificialidade da vida.
Memória
Conhecera Arnaldo na ocasião que sua mãe o apresentaria naquele fatídico jantar de família. Desde a orfandade nunca entendera porque Arnaldo teria que continuar ali na casa que a suor e lágrimas fora construída por seu pai. Para cada ordem doméstica, Arnaldo arrotavaimperativos sempre regados a álcool e sarcasmo. Mesmo sarcasmo de quando deliberadamente me fazia flagrá-lo suado sobre alguma desgraçado do bairro.
Aquela manhã não fugira do trivial; Arnaldo dopado de vício, sifilítico, e eu madrugando indignação, requentando as sobras fétidas para ir à aula menos revoltado e faminto. Já a caminho flagrei-me num riso incontido, questionando-me se tinha mesmo desligado o fogão.
Aquela manhã não fugira do trivial; Arnaldo dopado de vício, sifilítico, e eu madrugando indignação, requentando as sobras fétidas para ir à aula menos revoltado e faminto. Já a caminho flagrei-me num riso incontido, questionando-me se tinha mesmo desligado o fogão.
Baile no Canavial
18 anos, 9 de lida. O canavial alimentava mãe e irmã e ele via semanalmente a caminhonete do filho de seu Teo rasgar a ceifa.: amigos, bebida, meninas, quantas meninas! O barulho dos berros naquele dia incomodava. Vinha da cachoeira. Filho de seu Teo. A tempestade repentina foi o maior de seus bailes; dançava com a cana verde, atolava, gritava, grunhia. Amanheceu sujo e ferido. Foi a primeira ressaca de sua vida.
Ironia: a importância do receptor
Tradicionalmente abordada por (nós) professores de português como figura de linguagem responsável pela declaração contrária do que se quer dizer, a ironia merece grande atenção por sua capacidade retórica e pela fineza e astúcia com que foi utilizada por alguns autores de nossa língua.
Posicionando-me, poderia comparar o idioma à figura feminina, a ironia representaria a classe da mulher fatal, sedutora, pernas cruzadas e sotaque espanhol. Tal encanto vem exatamente de seu caráter oculto, inalcançável, difícil de ser apalpada, conhecida e até reconhecida.
As mais recentes pesquisas da linguística reafirmam não existe linguagem fora de um contexto social. A língua morta e artificial das frases soltas de alguns livros didáticos em nada se relacionaria com as reais práticas comunicacionais cotidianas. Então, a ironia só se efetivaria com a compreensão do receptor (aquele que ouve e/ou lê um texto). Em nada adiantaria a Machado de Assis (“ironista” de primeira classe), em uma conversa informal, criar uma situação irônica, por mais refinada que seja, se seu receptor não a compreendesse.
Como exemplo, temos a música “Marginália”, Torquato Neto e Gil, que denuncia o Brasil como país injusto, desigual, e assolado pelos desmandos da ditadura. Envoltos pelo refrão “aqui é o fim do mundo”, temos os versos “oh, sim, nós temos bananas/ até pra dar e vender”. Se desconsiderarmos o contexto da canção, tratando-se apenas de frases isoladas, desprovidas de uma situação real de uso, possivelmente seriam interpretadas como uma louvação ao país, à alta produção de bananas. Mas revestida pelo ambiente de protesto provocado pelos artistas, a passagem trabalha com o conceito de banana enquanto fruto sem valor (daí a expressão “preço de banana”). Ou seja, não temos condições básicas de vida mas o que não interessa, o que não tem valia, possuímos aos montes. O fruto também representa um gesto ofensivo feito com os braços.
Sem a compreensão do receptor, tais versos isolados, nunca poderiam ser classificados como irônicos; daí a ineficácia das frases-soltas geralmente usadas em Gramáticas Normativas, que mesmo sendo da autoria de mestres “ironistas” como Machado, Millôr Fernandes, Oswald de Andrade e Nélson Rodrigues, não terão nenhum sentido por não utilizarem o contexto, impossibilitando a participação do leitor e a efetivação do elemento irônico.
A ironia é um recurso que requer raciocínio tanto de quem a interpreta quanto de quem a produz e pode ser de extrema utilidade nas mais diversas situações do dia-a-dia mas deve ser utilizada com cuidado e atenção, pois a língua é como roupa, usamos e mudamos de acordo com a circunstância, já que esta figura de linguagem tanto pode informar, criticar, engrandecer um texto como causar desafetos e mágoas ao receptor.
Posicionando-me, poderia comparar o idioma à figura feminina, a ironia representaria a classe da mulher fatal, sedutora, pernas cruzadas e sotaque espanhol. Tal encanto vem exatamente de seu caráter oculto, inalcançável, difícil de ser apalpada, conhecida e até reconhecida.
As mais recentes pesquisas da linguística reafirmam não existe linguagem fora de um contexto social. A língua morta e artificial das frases soltas de alguns livros didáticos em nada se relacionaria com as reais práticas comunicacionais cotidianas. Então, a ironia só se efetivaria com a compreensão do receptor (aquele que ouve e/ou lê um texto). Em nada adiantaria a Machado de Assis (“ironista” de primeira classe), em uma conversa informal, criar uma situação irônica, por mais refinada que seja, se seu receptor não a compreendesse.
Como exemplo, temos a música “Marginália”, Torquato Neto e Gil, que denuncia o Brasil como país injusto, desigual, e assolado pelos desmandos da ditadura. Envoltos pelo refrão “aqui é o fim do mundo”, temos os versos “oh, sim, nós temos bananas/ até pra dar e vender”. Se desconsiderarmos o contexto da canção, tratando-se apenas de frases isoladas, desprovidas de uma situação real de uso, possivelmente seriam interpretadas como uma louvação ao país, à alta produção de bananas. Mas revestida pelo ambiente de protesto provocado pelos artistas, a passagem trabalha com o conceito de banana enquanto fruto sem valor (daí a expressão “preço de banana”). Ou seja, não temos condições básicas de vida mas o que não interessa, o que não tem valia, possuímos aos montes. O fruto também representa um gesto ofensivo feito com os braços.
Sem a compreensão do receptor, tais versos isolados, nunca poderiam ser classificados como irônicos; daí a ineficácia das frases-soltas geralmente usadas em Gramáticas Normativas, que mesmo sendo da autoria de mestres “ironistas” como Machado, Millôr Fernandes, Oswald de Andrade e Nélson Rodrigues, não terão nenhum sentido por não utilizarem o contexto, impossibilitando a participação do leitor e a efetivação do elemento irônico.
A ironia é um recurso que requer raciocínio tanto de quem a interpreta quanto de quem a produz e pode ser de extrema utilidade nas mais diversas situações do dia-a-dia mas deve ser utilizada com cuidado e atenção, pois a língua é como roupa, usamos e mudamos de acordo com a circunstância, já que esta figura de linguagem tanto pode informar, criticar, engrandecer um texto como causar desafetos e mágoas ao receptor.
Poesia de Escola
“Interpretar é saber que o sentido sempre pode ser outro”
Eni Orlandi
Eni Orlandi
Talvez a poesia seja o gênero literário que mais sofre preconceitos das editoras, já que se publica muito pouco e com ainda menos critério este tipo de texto. E um grande desafio do educador é saber escolher e trabalhar com poesia para crianças.
O primeiro grande problema é a associação errônea do gênero poético a temas de cunho cívico ou patriótico. Como se poesia tivesse por função catequizar indivíduos a um ou outro modo de pensar ou agir.
Um poema também não deve ensinar lições de higiene, louvar o dia dos pais ou da mulher, fazer com que a leitor seja religioso nem muito menos ser qualificado unicamente a partir de rimas e lições de moral. Ele não tem função prática.
Ao contrário da forma como é tradicionalmente tratada em escola, a poesia deve fugir de chavões, frases-feitas, versos de efeito moralizador ou educativo. Ela deve subverter a ordem da linguagem, torcer e contorcer o que é falado pelo senso comum, ser revirada “de ponta cabeça” para que cumpra com eficiência sua especificidade de propor ao indivíduo o jogo (tanto de idéias quanto de palavras, se é que se separam), uma visão diferenciada de tudo que está a seu redor.
Temas dignos de atenção como a escravidão, órfãos abandonados, causa indígena, amante abandonada(o), podem se tornar extremamente piegas, ridículos se não abordados de uma maneira inovadora, surpreendente. Como exemplo, temos uns versos de Pagu, música de Rita Lee e Zélia Duncan: “Nem toda feiticeira é corcunda/nem toda brasileira é bunda/meu peito não é de silicone/sou mais macho que muito homem”. Aqui é tratado um assunto já muito abordado (mulher objeto), mas através de uma denúncia crítica, criativa e inteligente, quebrando inclusive tabus mas dificilmente utilizado em meio escolar pela diversidade que esta instituição abarca - nem toda família, nem todo aluno receberia bem a forma explícita como do nosso mais popular sinônimo de nádegas, por motivos culturais, religiosos, éticos, etc, o que temos que respeitar.
Ritmo, ironia, polissemia (atribuição de mais de um sentido a um termo ou expressão) são algumas das características de um texto poético. Não é pelo fato de uma pessoa estar dotada de boas intenções que vai produzir um bom poema. Desconhecemos obra “literária” de qualidade de figuras fantásticas como Madre Teresa de Calcutá, Chico Mendes ou Antônio Conselheiro e, por outro lado, temos Ezra Pound, que apesar de ter tido seus flertes com o fascismo italiano, foi um poeta de primeira grandeza.
Que a poesia seja sempre adotada nas escolas mas que sejam selecionados autores com real domínio do ofício de escrever, os que sabem realmente eliminar o supérfluo e que possuem a capacidade de emocionar, encantar, surpreender, ridicularizar e satirizar através do belo, do verdadeiro jogo de idéias, sons e imagens que caracteriza um grande poema.
Ao vencedor, as baratas!
A motivação para que este artigo ou crônica, ou nem um nem outro, ou simplesmente texto seja construído deveria ter sido o abaixo-acinado (com c) que me foi destinado certa vez por ter trabalhado na aula de português com um texto sobre baratas, do jornalista Millôr Fernandes.
A crônica era até bonitinha, engraçada, até útil para se trabalhar com ironia, por exemplo. Capturei-a de uma Veja amiga e “com açúcar, com afeto” levei-a à famigerada aula com o intuito mesmo de ensinar algumas das funções de uma crônica. Tal ato “transgressor” foi visto como um insulto por um dos irados alunos. Este, enraivecido, vociferante, quase babante do mais escorpiônico ódio, alegou não estar em uma aula de biologia para aprender sobre baratas. Aí respirei aliviado e entendi o motivo da ira.
O que verdadeiramente me “apoquentou” foi o fato deste questionamento ser recorrente nas aulas de português. Alunos, pais, comunidade em geral ou às vezes nós mesmos nos perguntamos o porquê das aulas de interpretação textual. Por que falar de um artigo que tinha como temática as baratas?
Comparo não apenas o aluno mas o leitor em geral ao atleta. Fazer abdominais, por exemplo, pode parecer uma insanidade a um jogador de futebol que pretende melhorar chute, domínio de bola ou passe mas aquela atividade é fundamental para a estabilização da coluna vertebral, que por sinal é de extrema importância para a sustentação do tronco. O que acabará ajudando e muito um jogador que atuará noventa minutos.
Da mesma maneira, nem sempre é clara a relação entre o ato de interpretar, de inferir o sentido de um texto sobre baratas com a necessidade de compreensão e produção das tantas linguagens que circulam por nós nos mais diferentes locais e meios. Ou seja, leia para que sempre consiga ler e escrever os mais diversos textos.
Assim, ao entender o sentido implícito de uma propaganda, você, leitor, estará treinando, condicionando-se a enfrentar os diferentes desafios da linguagem. Quem sabe não o auxiliará a perceber a malícia de um vendedor (de batatas?) ao atirar-lhe um produto ruim e caro?
Nosso conhecimento é fundamental para nos possibilitar a realização daquilo de que necessitamos ou que desejamos no nosso dia-a-dia e não adianta aprendermos que a luz forte incomoda os olhos se não tivermos o bom senso de baixar o farol ao cruzarmos com alguém na estrada.
A compreensão de um texto é importante não apenas por nos informar algo mas principalmente por nos condicionar a abstrair, a inferir um sentido (nem sempre claro) em situações, contextos diversos de nossa vida. Já que o que realmente deve ser decifrado nem sempre está às claras e que, de acordo com Eni Orlandi: “Interpretar é saber que o sentido sempre pode ser outro”.
A crônica era até bonitinha, engraçada, até útil para se trabalhar com ironia, por exemplo. Capturei-a de uma Veja amiga e “com açúcar, com afeto” levei-a à famigerada aula com o intuito mesmo de ensinar algumas das funções de uma crônica. Tal ato “transgressor” foi visto como um insulto por um dos irados alunos. Este, enraivecido, vociferante, quase babante do mais escorpiônico ódio, alegou não estar em uma aula de biologia para aprender sobre baratas. Aí respirei aliviado e entendi o motivo da ira.
O que verdadeiramente me “apoquentou” foi o fato deste questionamento ser recorrente nas aulas de português. Alunos, pais, comunidade em geral ou às vezes nós mesmos nos perguntamos o porquê das aulas de interpretação textual. Por que falar de um artigo que tinha como temática as baratas?
Comparo não apenas o aluno mas o leitor em geral ao atleta. Fazer abdominais, por exemplo, pode parecer uma insanidade a um jogador de futebol que pretende melhorar chute, domínio de bola ou passe mas aquela atividade é fundamental para a estabilização da coluna vertebral, que por sinal é de extrema importância para a sustentação do tronco. O que acabará ajudando e muito um jogador que atuará noventa minutos.
Da mesma maneira, nem sempre é clara a relação entre o ato de interpretar, de inferir o sentido de um texto sobre baratas com a necessidade de compreensão e produção das tantas linguagens que circulam por nós nos mais diferentes locais e meios. Ou seja, leia para que sempre consiga ler e escrever os mais diversos textos.
Assim, ao entender o sentido implícito de uma propaganda, você, leitor, estará treinando, condicionando-se a enfrentar os diferentes desafios da linguagem. Quem sabe não o auxiliará a perceber a malícia de um vendedor (de batatas?) ao atirar-lhe um produto ruim e caro?
Nosso conhecimento é fundamental para nos possibilitar a realização daquilo de que necessitamos ou que desejamos no nosso dia-a-dia e não adianta aprendermos que a luz forte incomoda os olhos se não tivermos o bom senso de baixar o farol ao cruzarmos com alguém na estrada.
A compreensão de um texto é importante não apenas por nos informar algo mas principalmente por nos condicionar a abstrair, a inferir um sentido (nem sempre claro) em situações, contextos diversos de nossa vida. Já que o que realmente deve ser decifrado nem sempre está às claras e que, de acordo com Eni Orlandi: “Interpretar é saber que o sentido sempre pode ser outro”.
Moça Feia
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
Apresentação
Lira Perecível
poeto com a
efemeridade de
tudo que me
perturba, trem passageiro...
chinelos, choros
dadá ou risos,
antes da tinta
é só o ovo
num átimo
procuro a pena,
mas o vento
varre a ideia,
lambida de onda
poeto mil poemas
por minuto, mas
tal qual jogo
de espelho se
desfazem.
Giu
poeto com a
efemeridade de
tudo que me
perturba, trem passageiro...
chinelos, choros
dadá ou risos,
antes da tinta
é só o ovo
num átimo
procuro a pena,
mas o vento
varre a ideia,
lambida de onda
poeto mil poemas
por minuto, mas
tal qual jogo
de espelho se
desfazem.
Giu
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