Muito se debateu acerca do famigerado preconceito lingüístico, ou seja, determinadas variantes da língua portuguesa são consideradas deturpadas, arestas de um desconhecido e inalcançável português correto, digno de Camões.
Uma questão relevante levantada pelo lingüista Maurízzio Gnerre é o porquê deste tipo de preconceito que para Marcos Bagno é social e não lingüístico. Quer dizer, o errado (para quem assim pensa) é a pessoa que fala e não o que é falado. Uma gíria da periferia será discriminada por vir de lá e não necessariamente por distanciar-se do chamado “Português Padrão”.
A partir da segunda metade do século XVI, letrados e humanistas tiveram uma tarefa designada pelos detentores do poder de então: criar meios que comprovassem a superioridade de sua língua materna. Este fenômeno é justificado pela corrida por legitimação do poder. As línguas portuguesa e espanhola, por exemplo, travaram uma batalha ideológica em nome da conquista de povos e terras.
Desde então, no Brasil, por exemplo, criou-se um conceito de língua correta, pura, digna de um povo e um passado de glórias e a língua errada, estropiada, falada pelo gentio. Tal atitude só veio a legitimar uma desigualdade social grotesca, evidente até os dias de hoje no país do futebol.
Não é por acaso que pronúncias e sotaques regionais estão entre os elementos mais “combatidos” pelos puristas; o tão famoso português errado. Exemplo disso é a forma com que falantes fora do eixo Rio-São Paulo são colocados na grande mídia; nordestinos, mineiros, Gaúchos, etc. Principalmente nas novelas e minisséries, dificilmente não são representados de forma caricatural, burlesca.
A justificativa para isto encontra-se na essência do “problema”. Características regionais, sotaques, dificilmente são perdidos se o falante não tiver morado boa parte de sua vida fora de sua terra natal. Assim, a instrução não consegue (e nem deve) apagar estes traços do indivíduo, diferenciando assim com mais facilidade o suposto mau falante do bom.
Outro fator crucial neste apartheid lingüístico é que o dito português correto é usado freqüentemente para não ser compreendido pela grande massa. Discursos de contratos bancários, telemarketing e economia (como exemplo) não serão democratizados porque não convém. Poderia ser perigoso para a “nobreza” da era digital.
A fala, além de carregar todo o passado, toda individualidade do cidadão, está intimamente associada ao pensamento e dizer que o indivíduo não sabe falar a própria língua é afirmar que ele não sabe pensar. “Inté mais ver, Sô Joaquim”!
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quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Inté mais ver, Seu Joaquim
“A linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder” Gnerre
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Antes de comentar, parabéns pelo blog, meu caro...
ResponderExcluirTudo muito bonito e bem escrito, como não poderia deixar de ser!
Quanto ao texto, digníssimo!
É impressionante como ainda persiste a mania imbecil de achar que cultura é o que vem de cima... De achar que ter acesso a cultura é, mesmo morando no morro, ouvir Chico Buarque ou Madaleine Peyroux... Como se cada um de nós não produzisse cultura e fôssemos apenas consumidores. É cultura e é relevante o modo com que cada um vive, a música ou a leitura que cada um faz e, é claro, o dialeto de cada um. Poderia haver português mais correto do que um português inteligível, seja ele qual for?
A mensagem passada é mensagem passada!
Que seria do alemão dos irmãos Grimm ou do português de Guimarães sem as intervenções especiais e os sentimentos das palavras, que são dadas exatamente pelo sentimento do povo, da pronúncia ou dos "erros" que, ao longo do tempo, tornaram-se normas?
Parabéns pelo blog, Giu!
Sucesso!
Absss