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domingo, 25 de julho de 2010

A Melhor Piada do Mundo

Este texto é pra quem acreditaria que o humor seria uma das coisas mais sérias do mundo, se a seriedade fosse propriamente uma virtude. Aliás, não há humorista que em alguma entrevista, despido de sua personagem, não esboce uma carranca taciturna e não engrosse a voz.
Até no campo das letras, onde se imagina velhos barbudos, ranzinzas, com mau hálito e testa franzida, há quem se meta a pesquisar o humor. Dentre eles, o linguista estadunidense Thomas Veatch, que colocaria como parâmetro fundamental à produção do riso a seguinte trinca: NORMALIDADE, VIOLAÇÃO e SIMULATANEIDADE.
Geralmente quando uma piada é anunciada como excelente, perde-se boa chance de se ser bem-sucedido, ou seja, nossa plateia rirá no máximo de nossa tentativa frustrada de aparecer. Assim agirá boa parte dos leitores ao tomar conhecimento que o texto que vos será apresentado foi considerado por um centro de pesquisa da Universidade de Hertfordshire como a melhor piada do mundo:
“Dois camaradas estão caçando. Um deles cai no chão. O outro voa para o celular e liga para um hospital. Explica para a telefonista: _Ele está morto. Que é que eu faço? A moça do hospital: _ Primeiro, certifique-se de que está morto mesmo. Ouvem-se dois estampidos. Volta o primeiro caçador ao telefone: _Tudo bem. Agora, eu faço o quê?”
De acordo com os três elementos do humor, estudados por Veatch, o princípio da normalidade estaria presente na piada acima quando: I. dois amigos saem para caçar juntos (pressupõe-se que há um relativo grau de companheirismo entre eles); II. interpretamos que o caçador estaria preocupado com o companheiro, justificado pelo o uso do termo “voa” que nos mostra o aparente desespero com a morte do amigo; III. a telefonista sugere a certificação do óbito; IV. por ser caçador, o homem tinha uma arma, portanto, seria plausível haver disparos, o que colabora para a concepção de normalidade da história.
A violação, que seria o tempero fundamental para infringir o que aparentemente estaria normal, viria com os tiros disparados pelo caçador. Quando percebemos que um homem atirou no amigo para certificar que este estaria morto, inconscientemente interpretamos que sua preocupação não estaria no bem-estar do colega mas no seu. Sua ansiedade seria pelo fato de estar com um defunto na mata, o que o obrigaria a tomar providências.
Mas para que haja o humor, é fundamental que normalidade e violação ocorram em certo padrão de simultaneidade, ou seja, ao mesmo tempo somos obrigados a interpretar tanto que o caçador estaria preocupado com seu amigo morto quanto que estaria apreensivo ao prever o árduo trabalho que um defunto na mata o daria. Se lemos a história de um homem desesperado com a morte do amigo ou o caso do caçador cuja tarefa seria carregar um corpo na mata, em ambos os casos, a piada se transformaria em drama.
Se um contador de piadas prepara seu ouvinte para a violação ou se não cria o ambiente da normalidade, dificilmente seria bem sucedido em seu ofício, já que para a efetivação da ocorrência do humor, é fundamental que haja tanto um quanto o outro, mas nada disso adiantaria se não houvesse o princípio da simultaneidade.
Por isso, leitor, nada de anunciar que uma piada será extraordinária e desista se algum bêbado de plantão atravessar sua fala antes do desfecho da dita-cuja, isso irá impedir que a normalidade e a violação atuem em paralelo, simultaneamente.

sábado, 10 de julho de 2010

A Revolta das Cifras

Ariosvaldo era um sujeito comum mas não suportava nada que era considerado legal. Uma de suas maiores implicâncias era com música, era danado para censurar o que estava na moda. Isto foi lhe causando problemas a ponto de se sentir amedrontado.
Costumava conversar com gente mais velha porque se sentia melhor, gente velha é forte para as adversidades. Chegando na casa da avó, percebeu que o som estava alto e a idosa dançava ao som do refrão fácil; mãos nas costas, a outra segurando a bengala e as pernas finas tentando ritmar ao som do batuque. Soube depois que conseguiu virar cantora, fez dupla com Dona Emengarda.
Procurar os amigos seria inútil, hora destas já estariam com os olhos vidrados e balançando as cabecinhas ao som das frases-feitas. A Aninha cantava segurando no peito, pensando no amor que já teria partido, justo ela que namora há 12 anos, mãe-solteira e está quase se casando. Paulo Roberto é o maior cachorrão, não fica duas semanas com a mesma mulher e incompreensivelmente se viu apaixonado, bailando e olhando para o céu imaginando a amada que não tinha (logicamente por escolha e gosto).
Meio sem entender, o desagradável Ariosvaldo procurou a família. Pensou que mesmo o pessoal de casa sendo atingido pela onda musical, entenderiam o caso e dariam a maior força naquele momento delicado. Foi exatamente o que aconteceu. Com muito esforço, a família de Ariosvaldo comprou fones de ouvido e tentava não repetir os refrões. Mas o barulho nas ruas era desesperador, os carros passavam com os sons no último volume e a casa balançava; Ariosvaldo começou a enlouquecer.
A saída seria botar CD pra tocar, mas todos eles haviam sido inacreditavelmente convertidos. Suas seleções de clássicos ordenavam-no a bater nas botas e nas palmas das mãos, Chico Buarque compunha pra Marieta clamando pela reconciliação, João Gilberto fazia clipes em festas de rodeio, montava nos bois e esporava os coitados até sangrar. Mas os bichos também já dançavam mesmo no brete, ansiosos para participarem da festa, sempre em duplas. Bois-de-carro?
Em Brasília, Gil compunha às dúzias, iniciando campanhas. E o povo candango empoeirava as botas, fazendo a terra subir na secura do Planalto Central. Dona Marisa ordenava que as calças do presidente viessem com numeração inferior, seria uma oportunidade e tanto para Luís Inácio, que cantava em nome do povo.
Em meia hora a casa de Ariosvaldo já estava cercada. Inspirado na Revolta da Vacina, o povo exigia o linchamento do rapaz. Com botas finas e chicotes na mão, a população derrubou a porta, avançou afoita e inutilmente desferiu golpes nos ouvidos de Ariosvaldo, que já estava morto bem antes da residência ser invadida.

sábado, 3 de julho de 2010

Ex-Casados

E o ar se impregnava de um lirismo louco, proibido, temperado. Aves de rapina sobrevoavam a alcova, planavam têxteis, lentamente. O uivo dos amantes contagiava a erupção da Terra, desafiando o som, desfiando-se em pecado, tremendo as luzes de motel . Desde o desquite é assim.