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sexta-feira, 26 de março de 2010

A Volta ao Mundo em 80 Anos

Certa vez, no continente africano, ocorreu o encontro anual dos bichos. Como de praxe, todas as espécies foram obrigadas a enviar um representante para que fossem discutidas questões relevantes a toda fauna mundial. Antes mesmo do início do evento, o representante humano foi brutalmente assassinado por ter atirado uma lata de cerveja no Nilo. Um bagre kamikaze envenenou-se e se deu de presente ao bebum. Trágico...ao bagre. Antes do final do encontro, uma curiosa disputa foi travada por quatro bichos; a tartaruga Fíleas, o papagaio Parole, a hiena Sat e o tigre Fodium. O trato foi dar “a volta ao mundo em 80 dias”, em alusão ao escritor homenageado do ano, Júlio Verne (autor do livro de mesmo nome da disputa). E assim aconteceu. Cada bicho foi seguindo seu trajeto à sua maneira. Parole era um sujeito meio avesso à discrição. Não se importava em ser inconveniente e era do tipo que falava o que dava na telha, pois não devia nada a ninguém. Não chegou nem a sair da África. A leoa ficou sabendo o que o empenado relatou a seu respeito. Disse ao leão que ela estava de rolo com o Leopardo. Pobre Parole, virou papinha de filhote. Sat era um camarada não tão veloz, mas muito influente, já que era mestre em fazer a bicharada rir. Geralmente escolhia alguém para Cristo e descia a lenha, ou melhor, a língua. O som de suas gargalhadas ecoava savana afora e sua vítima preferida era o hipopótamo. Sempre juntava a macacada para rachar de rir do coitado, sua obesidade virava motivo de chacota na África. Por ironia do destino, no primeiro mar que precisou atravessar, foi convidado a aceitar uma carona da baleia, que já sabendo do drama do hipopótamo, resolveu se vingar. Já em alto mar, o gigante dos mares deu uma dançadinha e derrubou Sat de suas costas. E então gritou para o sorridente defunto: obesidade não é piada. Fodium era cheio de si, daquele tipo que se acha muito superior do que realmente é. Aceitou o desafio por não aguentar mais as pressões do mundo felino, cansado de ser um gato de terceira, tendo de acatar ordens do senhor leão. Como nos humanos, sempre que algum bicho se sente inferiorizado, ele tenta se mostrar mais forte. Seria mamata vencer aquele vira-latas fedorento, a cocota faladeira e o morto-vivo se no meio da Ámerica não houvesse Iara Tiger, uma bela e suculenta sereia que o atraiu para as profundezas do Amazonas. Coitado, morreu achando que Iara salvaria tão bela e espadaúda criatura. E quanto a Fíleas? Exatamente 80 anos depois a tartaruga chega novamente à África, recebida com muitos aplausos e festa. Quando indagada pela senhora coruja como conseguiu tal feito, embora atrasado, Fíleas respondeu que para isso precisou viver quase um século e que o segredo está em cuidar apenas da própria vida.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Casca

E ela desfilava de botas longas e roupa nua. Seu cheiro regava a noite lenta, pingava excesso. Olhava austera e com desdém a classe média, chutava em nãos. Descartava sem usar o verbo. Em seu rosto a delicadeza dos traços, alvejados pela inveja. Mas naquela noite o blush se rendeu às lágrimas. No banco traseiro do carro oficial havia um bolo caseiro com cheiro de mãe.

domingo, 14 de março de 2010

Pitty comeu rã

Há muito a internet tem sofrido sensível mudança em seu conteúdo. Esta afirmação poderia parecer menos óbvia se especificássemos que tipo de mudança é esta e como a mesma está sendo processada. Houve um tempo em que a rede foi vista como uma espécie de enciclopédia virtual, ou seja, por lá fazíamos nossas mais específicas consultas, abismávamo-nos a cada dia com as inovações quantitativas e qualitativas de seu conteúdo. Não cometeríamos a subversão de afirmar que as pesquisas virtuais não mais existem e muito menos que diminuíram quando o que ocorreu foi a inclusão de uma infinidade de redatores (autores) então anônimos. Blogs, fotologs, Orkut, twitter, etc são apenas alguns exemplos de meios em que se publicam os mais diversos assuntos. O simples consultar a cada dia compete mais com o criar. A questão é: o que se cria? Seríamos absurdamente anacrônicos se afirmássemos que a criação na internet é algo negativo. Uma quantidade imensa de intelectuais, incluindo jornalistas, psicólogos, professores e até escritores publicam e são lidos graças à rede. O problema é que há uma massa de informações inúteis que nem sempre são facilmente evitadas ou pelo menos separadas do que é bom. Grande parte do que se joga na net é fatalmente dispensável e há uma explicação para as exclamativas reações dos leitores – “o que é que eu tenho com isso?”. A lingüística justifica tal postura indignada a partir da existência de um tipo textual denominado “expositivo” ou “informativo” e sua função é fazer com que o leitor adquira um conhecimento que até então não possuía. Embora isto não nos permita a falar para alguém tudo de que sabemos. Qual seria a função de afirmar que a cantora Pitty comeu rã pela primeira vez a alguém que não a conhece intimamente ou que não possui a mais ávida curiosidade sobre sua vida particular? Inconscientemente, quando lemos um texto ou ouvimos uma mensagem, criamos expectativas quanto a isto. Ou seja, ao deparar-nos com um tipo textual informativo, esperamos por uma informação com o mínimo de importância para nós. A transmissão destas informações deve seguir um critério denominado “informatividade”, ou seja, só falamos o que acharmos necessário para a pessoa e para o contexto em questão, esforçando-nos ao máximo para realmente sermos relevantes. Portanto, quando nos deparamos com a mensagem; “Hoje acordei de mau humor”, sem pelo menos convivermos com o autor, somos levados a achar que estamos recebendo um conteúdo desnecessário. O grande objetivo de nossa comunicação é o ouvinte (leitor). Assim, quanto mais nos adequarmos ao contexto e a quem recebe nossas informações, para que nossos textos tenham o mínimo de relevância, mais eficiente será nossa linguagem e com mais clareza e pertinência poderão ser recebidas nossas ideias.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Tchau

O nome, desconhecido por omissão e gosto. 70 e poucos anos e uso diário da mesma roupa, embora limpa. Sapato baixinho, meia pela canela e o vestidinho estampado, cheio de vida. Os olhos, inertes como a luz, sem luz. O cabelo, indefectível. Impecavelmente penteados, dançavam brancos em dia de vento. Habitava a rodoviária havia alguns anos. Chegava sempre no mesmo horário, costurando o tédio e mascando o ócio. Nunca sorria, nunca falava. No último dia em que foi vista, pagou uma passagem mesmo sem pegar o ônibus.